Vida de roceiro na cidade grande.

No ônibus sempre penso no meu cantinho. Penso com o coração. Lembro-me das pessoas sentadas nas calçadas em frente de suas casas na fleuma pura de suas vidas. Lembro-me da tranquilidade ao fim da tarde quando jogávamos conversa fora, falando da vida. Da vida vivida. Família reunida inebriando o ar com felicidade. Conduzindo com gestos a brisa da confiança. Sinto, no desconforto do acento e na guerra da sobrevivência, o conforto e paz do lar. Sorrio pensando na sorte que tenho. De olhos abertos construo uma ilusão, vejo minha mãe e minha avó conversando tão imersas no olhar uma da outra, capto a harmonia na gargalhada das minhas tias. Chego, por um breve momento neste devaneio, a escutar meus primos me chamando então, vem o balanço.

Desperto. O chocalhado do ônibus pinta em mim uma realidade, como uma parede no ato, sem o direito de escolha. Na cadeira ao lado um homem desconhecido escutando música com fones nos ouvidos. Tão inserido em sua vida quanto eu estava, pelo menos até o próximo chocalho. Na frente vejo o motorista do ônibus olhando pelo retrovisor transparecendo no olhar a pressa de chegar ao próximo ponto. O cobrador sorrindo, pessoas entrando e saindo. Alguns trazem uma felicidade tímida outros quase dormindo, diferentes entre si, porém com o mesmo olhar de quem há muito trocou o simples e bom pelo prático e aceitável.

Enfim o meu ponto. Desço apressada, em mim o ritmo da cidade aflora. Caminho rumo a minha aula. Por mim passam pessoas de todos os tipos e formas. As lembranças retornam. Vejo os prédios módicos da minha antiga universidade, sinto falta da segurança que eles me transmitiam. Dos passos calmos e curtos. Da familiaridade entre cursos, rostos conhecidos esboçando camaradagem. Um cheiro doce me resgata. Avisto um grupo de estudantes fechados em suas invisíveis bolhas plásticas fumando ao ar livre. Divertem-se como se ninguém os estivesse assistindo. Continuo minha caminhada e, enfim, chego ao meu destino.

Depois de alguns lances de escadas eis que encontro a sala de aula. Tenho a mão um cappuccino comprado em uma dessas máquinas moderninhas onde que se coloca a moedinha e ganha o prêmio esperado. Mas cuidado, me falaram que elas têm uma “certa” personalidade arisca. Coisa estranha, na minha terra as famosas contas nas cantinas são motivos de orgulho. Essa conversa de máquina nem rola por lá. Você tem crédito na cantina, compra um salgado feito na hora com um suco de acerola e paga só no fim do mês. Olho para o relógio, quase na hora. Nossa, o dia nem começou e parece que não vai acabar nunca. 

Por um milagre a aula acaba. Tenho tantas coisas a fazer. Mas antes uma paradinha para um almoço rápido, se perder o horário do ônibus só daqui a meia hora, e tempo aqui nem ouro paga. Transito, se eu soubesse tinha mastigado direito o meu almoço. Sol agradável só conheci aqui. Caminho alguns quadras pensando que com o calor da minha cidade isso seria impossível. Barulhos, carros, buzinas, gente xingando, gente, gente, gente e gente. Nossa, tem gente demais aqui. É quase um desafio por metro-quadrado.

Não posso perder o foco. Organizo mentalmente o que preciso fazer. Finalmente em casa volto aos estudos, mas é impossível com a quebradeira infinita no prédio de luxo que estão construindo ao lado do quartinho de três cômodos que aluguei e divido com uma amiga. Prédios eles sempre foram para mim uma grande interrogação. Formulo uma teoria sobre um novo nome para o metro-quadrado: com tantas pessoas ocupando o mesmo lugar deveria chamar metro- retângulo ao cubo. Nem a física explica.

Imersa na quantidade assustadora de deveres não vejo a tarde correr, mas insisto quando digo que ela corre assustadoramente depressa. No fim da tarde o celular toca, neste momento meu coração acelera quando vejo no display que minha mãe me chama de tão longe. Respondo contente, pois do outro lado da linha e do país, escuto vozes que são como doces e brinquedos para crianças. Estão todos reunidos na frente de casa, contando sobre o seu dia. O coração aperta, os olhos ficam molhados. Saudades. A noite vem chegando de mansinho e a lua, com todo aquele brilho roubado de outros astros, impera no céu de nuvens e com poucas estrelas.

Numa agitação frenética e constante as pessoas noturnas conseguem ser bem mais barulhentas que as diurnas. Como se diz por aí: ela não passa de uma criança. Uma criança chorona.  Meu estomago reivindica, faço mais um lanchinho rápido, pois o cansaço me domina e amanhã cedo estou na rua.

Deito, tão mentalmente cansada não consigo dormir. Na cama frito como um camarão na frigideira. As horas agora finalmente se arrastam. É. Só deve ser sina.

Cansada me pergunto o que me fez sair do meu âmago cultural e emocional. Enquanto olho pela janela, a rua sempre movimentada, analiso. Percebo que ainda estou no meio do mato. Na selva de pedra primatas pouco se comunicam quando não se ganha nada em troca. Suas habilidades de convívio apesar de intensa pouco produzem resultados. A inserção desesperada das pessoas no individualismo louco é uma realidade que pouco os importa. A caça por alimentos e o prazer da degustação se perderam nas longas filas dos supermercados.

Mesmo assim, vejo em meio a esse pandemônio algo que me faz continuar. No olhar das pessoas transparece a necessidade desesperada por conhecimento, nos lugares encontro oportunidades de novas experiências. Neste ápice do momento não me importo com diferenças de cultura, diferenças de criação, diferenças de pensamento. Sinto um desejo ávido de conhecimento que me domina como uma fera do mato lutando para viver. Sinto-me emocionada, no peito a vontade de explorar, desbravar. Perdida em sonhos acordo com o despertador reivindicando minha atenção. “Nossa! Passei da hora! Meu ônibus passa em 20 minutos…”


Wanna know who you are wanna know where to start  I wanna know what this means wanna know how you feel wanna know what is real I wanna know everything

Everything

You’re the only one i’d be with ‘till the end
When I come undone you bring me back again
Back under the stars back into your arms

And I don’t wanna fall to pieces

I just wanna sit and stare at you
I don’t wanna talk about it
And I don’t wanna conversation
I just wanna cry in front of you
I don’t wanna talk about it
Because I’m in love with you  (8)